sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pessoa diz tudo

...Resolvidas algumas de nossas questões práticas: A DOR (pelo menos a fratura mais exposta dela..rs..)..voltemos as divagações:



Mas hoje deixo Pessoa falar por mim, (de mim e parece-me que para mim):


“Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco da consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos. Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espectáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário. Todo o mundo é confuso, como vozes na noite.


Estas páginas, em que registo com uma clareza que dura para elas, agora mesmo as reli e me interrogo. Que é isto, e para que é isto? Quem sou quando sinto? Que coisa morro quando sou?Como alguém que, de muito alto, tente distinguir as vidas do vale, eu assim mesmo me contemplo de um cimo, e sou, com tudo, uma paisagem indistinta e confusa.


É nestas horas de um abismo na alma que o mais pequeno pormenor me oprime como uma carta de adeus. Sinto-me constantemente numa véspera de despertar, sofro-me o invólucro de mim mesmo, num abafamento de conclusões.


De bom grado gritaria se a minha voz chegasse a qualquer parte. Mas há um grande sono comigo, e desloca-se de umas sensações para outras como uma sucessão de nuvens, das que deixam de diversas cores de sol e verde a relva meio ensombrada dos campos prolongados.


Sou como alguém que procura ao acaso, não sabendo onde foi oculto o objecto que lhe não disseram o que é. Jogamos às escondidas com ninguém.


Há, algures, um subterfúgio transcendente, uma divindade fluida e só ouvida.


Releio, sim, estas páginas que representam horas pobres, pequenos sossegos ou ilusões, grandes esperanças desviadas para a paisagem, mágoas como quartos onde se não entra, certas vozes, um grande cansaço, o evangelho por escrever.


Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas…


Releio? Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro. Já não compreendo nada…”




(Livro do Desassossego- Fernando Pessoa)


Ass. Tua Consciencia

2 comentários:

Marcia Carneiro disse...

Pessoa traduz as coisas. E antes de tudo, sem até mesmo fazer com que percebamos... sente. E a tua simplicidade e o excesso de medo, de mostrar, tá atrás dessa moldura... que é de uma pessoa muito linda, que veste poemas. Parabéns pela tua roupa.

Anônimo disse...

aiaiaiai...

tantas coisas que me veem a mente com essas palavras do Pessoa.

gosto de te ler...